Residência G&T
[projeto] Brasília, DF Ano do projeto: 2021 Autoria: Thiago de Andrade Co-autoria: Manoel Fonseca Colaboradores: Ana Carolina Moreth, Angelina Trotta, Lucas Sousa e Gustavo Santos Memória: Uma paisagem exuberante, marcada pela simplicidade e horizontalidade do cerrado, suas suaves colinas, foi se revelando aos poucos e a cada movimento de aproximação. Uma complexidade impensada à primeira vista. Uma garganta sutil do vale do Ribeirão do Gama, rumo ao Lago Paranoá. Uma pequena colina com casa e vegetação exótica nos lotes vizinhos, uma bela curva abatida no morro em frente ao lote. E, mais extraordinária, uma vereda que desce o morro, contrariando expectativas. Dessa aproximação sensível ao lugar nasce o projeto para essa residência no Park Way, em lote de generosas dimensões e com as belas vistas rumo ao sutil vale intocado. Um intenso processo de concepção colaborativo considerou, principalmente, as questões de topografia e insolação para a escolha da implantação que melhor se adaptasse ao terreno frente ao programa e às intenções e demandas dos clientes: uma casa integrada em essência, mas que pudesse manter resguardada a privacidade dos quartos, a continuidade do quintal com as áreas verdes adjacentes, o possibilidade de garantir miradas desimpedidas das vistas para o vale e, na diagonal do lote, para a nesga de Lago Paranoá que chega a mostrar a ponte JK. A oportunidade de continuar os jardins e bosques da casa para as áreas verdes adjacentes trouxe possibilidade de diluir os limites, tanto os do próprio lote, especialmente em frente ao vale, quanto aqueles entre os espaços internos e externos da edificação. Dada a posição do lote no final do condomínio fechado de poucas casas, foi possível imaginar um espaço privado virtualmente infinito, ao contrário de uma casa murada por todos os lados. O lote, em declive, possui um caimento de cerca de 10% a 12% rumo ao vale, grosso modo, na sua diagonal. A casa térrea com desníveis foi a melhor solução discutida com os clientes, em função das generosas dimensões do terreno, da facilidade da construção e do melhor aproveitamento das possibilidades de integração entre cômodos. A partir da análise criteriosa do local, em maquetes físicas, modelos virtuais e em visitas ao local, surgiu a modulação e gradação de porções do lote que deveriam caracterizar duas paisagens distintas, uma próxima, de escala mais íntima, mais familiar, e outra mais distante, mais ampla, aberta e mais conectada à visão distante da cidade, à amplidão do cerrado. Esta última reflete os anseios coletivos, de agregar as pessoas em torno do lazer e do encontro. Enquanto a primeira responde à necessidade de privacidade, de distanciamento e envolvimento da dimensão familiar em espaço condizente com a perspectiva de que cada membro da família pudesse desenvolver sua introspecção e fazer seu lugar específico. Por isso, em frente aos quartos, configura-se um bosque a partir do plantio de 3 árvores-símbolo: uma para cada quarto, plantadas pelos próprios moradores. Dali irradia-se uma pequena e particular “floresta”, onde cada um faz seu caminho, escolhe seu recanto, cria seu mundo, estende sua rede. Essas duas alas buscam evitar uma setorização excessiva, como dois blocos, dois edifícios ligados por algo, uma passarela, um elemento de conexão. Ao contrário, parte da topografia e de dois espaços de transição para fazer essa conexão com fluidez e sem grandes obstáculos. Como uma rótula, a sala de TV, que deveria ser aberta pela demanda dos proprietários, e o escritório, fazem a articulação entre as duas partes do programa, cada um em seu patamar, o que ajuda a desconstruir a imagem de uma escadaria, algo que também acabaria marcando excessivamente a ideia de dois setores. A cobertura em telha metálica termoacústica também obedece à mesma lógica, cria duas porções sem, contudo, separar a edificação. Dois ângulos cuidadosamente estudados, dentro da modulação de 1,2m que constitui a casa, criam as referências das duas escalas de paisagem. Um aponta e libera panos de esquadrias para o bosque, o outro para as miradas distantes, rumo à garganta do vale. Nessa espécie de cunha, uma árvore é plantada, evidenciando-a, e os desníveis externos no gramado são mais bem resolvidos e suavizados. Na fachada para o vizinho, mais reservada e de pior insolação, a continuação de um dos lados dessa cunha faz a garagem em ângulo, confortável para o estacionamento dos três carros pedidos no programa. Mais importante, configura uma das entradas cotidianas da casa para os moradores, que podem entrar diretamente na área íntima, sem necessariamente passar por todas as áreas de trabalho e serviço para chegarem nos espaços de permanência. Por trás dessa garagem e fazendo as costas da sala de estar, encontra-se o programa de serviços, diretamente acessível pela garagem, de modo a facilitar o fluxo de compras, descarga, entre outros. A cozinha desenvolve-se perpendicularmente, orientada para a face nordeste do terreno, de modo a ainda captar alguma insolação. O “L” funcional resguarda os programas sociais e íntimos, tanto da vista para futuros vizinhos, mas, principalmente, protege das piores insolações e permite que sala e varanda sejam úteis durante todo o dia. A varanda segue o ângulo do telhado e aponta, também, para a diagonal da garganta do vale do Ribeirão do Gama, ao mesmo tempo que orienta a piscina e pátio externo para a melhor topografia, buscando implantá-los paralelamente às curvas de nível do terreno. Em função dos ajustes e patamares criados, há posições sutis de mirantes na casa. Além da própria varanda, um deles é a entrada da casa sob marquise que se configura lateralmente de modo a criar uma nova perspectiva da sala de estar e jantar, e sugerir uma sala surpreendentemente ampla e com pé-direito alto. Na continuidade dessa marquise, a caixa d´água configura o único elemento vertical a se destacar dos planos de telhado e marca a presença do concreto nos únicos elementos em que ele aparece na construção. Assim, de modo sutil, mas assertivo, a casa recria a paisagem do local, ora ampla e bela nas miradas distantes, ora plantada como bosque no interior do lote, e cria ambiências inusitadas e inesperadas, ainda que prontamente reconhecíveis e facilmente compreendidas. |