Casa Sem Fim
[projeto] Teresina de Goiás - GO Ano do projeto: 2021 Autoria: Thiago de Andrade Co-autoria: Manoel Fonseca Colaboradores: Angelina Trotta, Gustavo Santos, Pilar Pinheiro Sanches e Victor Luz Memória: Paisagem é a relação entre o ambiente natural e o ambiente artificial de um determinado espaço recortado pelos limites de nossa percepção. É composta de camadas de tempos históricos e denotam os movimentos dialéticos entre a natureza e a cultura. É algo, portanto, em constante mutação e interação com as narrativas que lhe são apostas a partir do observador. O terreno situado em gleba rural de módulo mínimo, de aproximadamente 2,2 hectares, encontra-se na área periurbana de Brasília. Viabiliza-se, então, uma vida urbana bucólica, ou, por oposição, uma vida rural dentro da cidade. Escolhido a dedo e com muito carinho pelos proprietários, o terreno foi imediatamente apropriado por eles, que começaram a manejá-lo. Plantaram mudas de cerrado e de árvores frutíferas, pensaram e planejaram trilhas, criaram com as próprias mãos esses caminhos. Suor e afeto já criaram uma segunda natureza no lugar. Nessa segunda natureza é nossa responsabilidade implantar uma casa, tornando-a mais significativa e relevante do que a primeira natureza da área, que conta com alguma degradação da presença humana nos últimos anos. O cerrado ainda muito presente nas encostas mais inclinadas e na mata ciliar do pequeno córrego no talvegue que divide o lote, pode ser valorizado em sua relação com a ocupação humana cuidadosa e sensível. Ele pode, e deve, ganhar funções estéticas conscientemente pensadas. Deve, também, participar da recente construção da relação da população brasiliense com seu bioma. Assumindo-se como cerratenses, os proprietários demandaram então uma casa que preservasse e respeitasse a condição inicial do lugar, buscando, claro, as melhores visadas de uma topografia em declive significativo, com cerca de 50 a 60m em direção ao córrego. Sugeriram locais de implantação no vasto lote, que, por não ter grandes condicionantes urbanos ou normativos em função de sua generosa dimensão, se mostraram bastante coerentes com esses dois aspectos elencados: preservação do meio ambiente e relação de proximidade com os caminhos da topografia. Em sua visão, a casa delimitaria o “platô” inicial do lote, mais plano, com a descida mais radical do lote rumo ao vale. Dessa forma, pensamos o projeto como um sistema irradiador de trilhas, constituída a partir de um confronto topográfico que viabilizasse diferentes escalas de relação com o cerrado: sua paisagem próxima e tátil, portanto prática; e a distante e idealizada, evocativa da imensidão do Planalto Central. Esse sistema seguiu outra orientação e desejo dos proprietários, construir uma casa simples, em aço, com lógica de montagem e que interferisse de modo pontual no delicado sítio. Assim, um sistema construtivo em peças de catálogo, delgadas, leves e econômicas foi modulado pelo próprio tamanho das peças e com vãos de 3 metros, condizentes com suas dimensões. As peças tubulares de 6 metros fazem tanto a grelha horizontal com suas vigas, quanto as descidas verticais com pilares de mesma seção. A partir daí, módulos de placas de piso de 60cm são apoiadas em barrotes de aço e configuram já a laje e o piso da casa, reforçando seu caráter industrial e de montagem. O sistema lógico, cartesiano e modular de base 12, usa o módulo de 1,2 metros, o mais utilizado em nossa prática projetual cotidiana. Cria com isso, um quadrado idealizado de 27 metros de lado, que vai se esvanecendo e deixando de ser percebido por meio dos pisos, pátios e mirantes que extrapolam esse limite original. A piscina aponta para a melhor relação topográfica, buscando estar quase paralela à curva de nível mais adequada, mas também sinaliza, como um eixo, a saída da casa em diversas trilhas que se irradiarão a partir desse núcleo construído. Essa grelha, aposta sobre o lote de topografia irregular e vegetação difusa, evidencia o sutil confronto que é análogo à própria condição humana. Natureza em oposição à cultura foi a tônica de boa parte do pensamento ocidental acelerado pelo Iluminismo, agora recolocado em novas bases na contemporaneidade, que busca novamente uma conciliação. Ou, pelo menos, o reconhecimento da complexidade dos dois temas sem subjugar um ao outro. Nessa relação dialética de respeito às duas dimensões contidas na vida e na psiquê humana, novos significados poderão surgir. Imaginamos que a casa permita, com suas proporções e proposições inusitadas, surpresa nas medidas e relações entre topografia, tipos de vegetação e miradas: as distantes, com o horizonte perdido e vasto que evocam, por tradição, o sublime, e as próximas, dependentes de ação contínua do sujeito, com apreensão mais labiríntica, mais afetiva e individual. Contribuem para isso as varandas pensadas conforme a insolação, os jardins internos, as transparências e opacidades e as variações de pés-direitos, mesmo quando a estrutura se lança nos vazios, sem cobertura. Com essa estratégia modular e difusa, a casa pode manter a área coberta e programática pequena, mas se expandir em possibilidades de uso e estares. Essa expansão nos pareceu necessária para articular as dimensões do lote, bem como a transição topográfica que a casa delimita. O vazio, nesse sistema, se apresenta como o aspecto mais significativo do projeto. Porque são vazios cheios de paisagem. |